segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Segunda-feira

Foi numa noite chuvosa que conheci John, com seus passos largos e firmes fazendo espirrar água para os lados. Meus cabelos pingando água, parada estava eu a observá-lo do outro lado da rua tomando uma cerveja barata e arrumando uma briga qualquer na avenida, aquela mesma avenida que já foi ouvida por muitos nas histórias que contávamos sobre o primeiro momento que nos vimos. Vi seu rosto entre os pingos de chuva, mas nossos olhares não chegaram a se cruzar. Ele me viu, tinha certeza, tive mais certeza ainda quando na manhã seguinte me deparei com um anônimo me mandando perguntas numa rede social com esse intuito, era ele, o imagino sentado em frente ao computador com seus cabelos acima do ombro enquanto digitava. Era ele e eu era apenas mais uma. Bebi meu último gole de coragem e enviei uma mensagem para John, a recepção foi regada a simpatia e então, ali, as 23h13min do dia 30 de setembro, eu tiver certeza que uma borboleta batia as asas no outro lado do mundo e o vento virava violência aqui. Foram longas horas e dias intermináveis de conversas sobre tudo, desde reflexões sobre sonhos, até as cores das paredes de nossos respectivos quartos. As coisas fluíram até o dia no qual John saiu de sua zona de conforto e rumou ao desconhecido, onde eu, a "artista estrangeira" como ele dizia, morava. Quando ele entrou no quarto, as paredes saturaram sua cor vermelha e o chão foi o lugar que ele escolheu para sentar. Saimos, bebemos, vomitamos, rimos, gritamos. Não cabia em duas semanas todos os anos que nos conhecíamos. Chegamos em casa de ressaca numa manhã de domingo, John deitou no colchão no chão e com sua mão levantada, entrelaçada na minha, dormimos felizes pela primeira vez. Gostaria de contar como foram os próximos meses, mas precisaria de mil horas, mil páginas para escrever. Em resumo, vivemos a vida inteira em um ano e, como todo ser após viver tudo, morremos. Quando John me deixou passei horas na sacada esperando que ele aparecesse embaixo pedindo para entrar, não consegui chorar quando vi o fim, fiquei ali, parada, esperando John voltar, mas ele não voltou. Da sacada migrei para a janela do quarto, onde a vista apontava para longe, lá longe onde John morava. Os dias se passaram e da mesma janela via a rua pela qual passei milhares de vezes a caminho da casa de John, lá longe, no mesmo lugar onde vi o sol se pôr todos os dias no horário que John saia do trabalho e ia em direção ao bar que frequentávamos juntos. Desde que John se foi vi variações de tons do céu que gostaria de ter compartilhado com ele, vi a chuva vir de encontro aos vidros da janela, a chuva sempre vinha do lado da cidade onde residia John. Guardei numa sacola plástica vestígios das últimas noites que John passou naquele quarto daquele apartamento antigo, guardei sua última carteira de cigarro amassada, a última embalagem de preservativos, as dobraduras de rato e morcego que fiz pra ele, guardei as cuecas que ele insistia em esquecer, guardei todos os fios de cabelo que encontrei na minha cama. O tempo passou, hora ou outra passava por John na rua, nas esquinas, nos sinais fechados, nos desviávamos como desconhecidos e seus olhos não me reconheciam mais, não importava se eu estivesse usando aquela camisa verde musgo que ele tanto gostava, nem se eu, por distração, estivesse acendendo o filtro do cigarro, ele nunca mais avisaria, ele não me via mais, não me viu em todas as vezes que o vi. Depois de tê-lo encontrado com outra mulher num dos bares da cidade, vê-lo acariciando os cabelos dela como fazia com os meus e seus dedos entrelaçados como eram os nossos, apenas virei as costas e arrastei os passos por outra avenida deixando meus cabelos cortarem meu rosto para esconder o desapontamento. Soube de outras, John sempre encontrava alguma menina nos arredores do meu apartamento. Embriaguei-me por dias, noites, semanas e entoei nossas músicas como mantras suicidas enquanto esperava o telefone tocar. O telefone nunca tocava, se tocava era algum amigo me chamando pra beber e eu ia, não recusava os goles, não recusava nada que me ofereciam na esperança de permanecer dopada, chapada, bêbada, alucinada e esquecer aquele mundo, viver num universo paralelo onde John nunca existiu. Passei noites em crises de choro e ansiedade, rastejando pelo assoalho do quarto abraçada numa toalha de banho que era pequena demais para secar todas as lágrimas que insistiam em despencar dos meus olhos e nas manhã seguintes às crises, corria do quarto para o banheiro com o nariz pingando sangue devido ao choro excessivo e as veias dilatadas. Depois de todas as tentativas fracassadas de reconstruir o rastros de destroços que sobraram da minha vida depois que John me deixou, consegui me divertir um pouco e tentar aproveitar o que ainda restava do meu ser. Fui a bares algumas poucas vezes, fiz festas e reuni amigos. Procurei homens opostos ao que John era, John era "bad trip", então procurei homens "good vibes", John tinha cabelos compridos, então procurei os carecas, John não tinha barba, então procurei os barbudos. Me sentia suja, ultrajada, quando ficava sozinha me enfiava embaixo do chuveiro e tentava arrancar de mim toda a pele suja, tinha nojo de mim, quis vomitar, vomitei algumas vezes. Foi então que, de maneira inesperada, um dia John voltou, passamos alguns dias juntos e tudo parecia existir novamente. Perdoamos o que podia ser perdoado e tentamos esquecer o que não tinha perdão. John não era mais o mesmo e eu não me contentei com as migalhas que sobraram dele após os pedaços deixados em cada cama que dormiu. Chegou minha vez de partir, encarei John com olhos vazios e apontei minhas palavras para ele, o espelho na parede refletia tudo que eu não queria e não conseguia ser. Quando virei as costas, subi a rua escondendo as lágrimas com o cabelo que voava com o vento. Odiei mais a mim do que odiei John. Morremos. Eramos dois icebergs se chocando, fomos privilegiados, fomos belos, fomos juntos como um, contra todos os outros, mas depois que John me deixou, fomos miseráveis, e quando ele voltou já não eramos mais os mesmos. Nunca mais vi John, nunca mais soube de John, não sei se ainda vive a mesma rotina, não tenho mais nenhum meio de contato, espero que esteja bem, espero que um dia entenda e espero que saiba que nosso amor foi suficiente para nós, mas não para sufocar nossos demônios.

Com amor, Brenda.

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