quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Blue

O céu azul já não via mais por conta da poeira nos olhos, poeira que subia daquela terra seca que por tantos meses já implorava por chuva, onde ajudava o pai carpinteiro a fazer um berço para o irmão que ia nascer. Miserável era Pedrinho, uma década de vida e um mundo nas costas, sem futuro se via com as mãos machucadas, um martelo na mão e um bolso cheio de pregos, no rosto escorria o suor salgado carregando o gosto da vida amarga que levava e a infância que perdia. O pai, José, tomava um martelinho de cachaça no intervalo de uma ripa e outra, no fim da tarde, já bêbado, entrava em casa arrastando os chinelos no assoalho, tirava da esposa o último dinheiro amassado e ia para o bar beber o juízo. Miserável era essa família. A esposa, grávida e desempregada, lavava roupa cansada escorada no tanque no fundo do quintal. Rosa ainda escutava as vezes o choro do filho que, encolhido num canto perto da cerca de arame, via os meninos da vizinhança chutando bola na rua, pobre menino, nunca teve amigos, sempre sonhou correr na rua e fazer um gol na trave marcada por garrafas de plástico. José chegava tarde da noite mal aguentando o peso do próprio corpo, acordava toda a família, pois já chegava batendo tudo, ameaçava a mulher de morte se a marmita do dia seguinte ainda não estivesse pronta, amaldiçoava o outro filho que ainda ia nascer, enchia a boca pra dizer que ia ser outro merda sem futuro e só viria ao mundo pra dar mais prejuízo, pobre criança, nem podia imaginar a vida miserável que viria a ter. Rosa chorava escondido enquanto ficava sozinha em casa, pedia a Deus uma benção, pois já faltava arroz e feijão. Enquanto isso na mesma rotina, José papeava com algum conhecido enquanto Pedrinho, com a mão cheia de calos, lixava a madeira fazendo o serviço do pai e ainda olhava para o céu na esperança de uma gota de chuva cair, há 4 meses não chovia e a seca acabara com a plantação de seu pai no quintal da casa, com o poço quase secando usavam a mesma água de lavar roupa para passar um pano molhado no corpo e manter o mínimo de higiene que podiam ter. Mas um dia o céu se fechou, de azul passou a cinza, de cinza ele enegreceu, começou cair a chuva devagar como se cada pingo fosse quebrar o chão, mas o vento veio forte e então a chuva aumentou, em meio a raios e trovões, com algumas velas acesas, José bebia agora sua hipocrisia ao pedir a Deus que protegesse sua família de um mal maior, o vento era tão forte que as paredes tremiam e as telhas da casa insinuavam voar. O rio que antes estava seco veio por transbordar, inundou todo o bairro, destruiu o que restava de todas aquelas miseráveis famílias. A casa cheia de água e José nem o berço do filho conseguiu salvar, perdeu até o que não tinha e nem tinha pra onde ir. Quando a chuva parou, a água abaixou e no inferno todos se sentiram pela primeira, Pedrinho assustado conseguiu limpar os olhos da poeira que antes via, chorou desesperado abraçado na mãe, Rosa sem reação olhava pra casa destruída quando uma dor muito forte veio a sentir, soltou Pedrinho, se afastou segurando abaixo da barriga e gritando, enquanto por baixo do vestido molhado escorria um sangue grosso da morte do filho que esperava. A hemorragia foi tão grande que Rosa não aguentou, morreu na rua agonizando de dor enquanto José urrava ajoelhado em cima do corpo no chão. Pedrinho, em estado de choque, apenas olhava a cena do pai aos prantos e da mãe morta a sua frente e então se sentiu no inferno pela segunda vez.

O céu azul já não via mais há 15 anos e os fantasmas do passado ainda o assombravam, seu pai morreu de um ataque cardíaco cinco anos após a morte da mãe, foi então que Pedrinho, agora conhecido simplesmente por Pedro, se viu no inferno pela terceira vez. Mas logo se casou com a mocinha que engravidou sem querer, trabalhava de pedreiro pra sustentar a esposa e dois filhos e chegava em casa por volta das 18h pedalando a bicicleta que tinha comprado com tanto esforço.
Foram tempos de glória, a chuva vinha calma e o pouco que Pedro plantava tinha o direito de comer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário