sábado, 27 de outubro de 2012

Correios

Filas nos correios, o carteiro de bicicleta na rua, as motos e os carros do Sedex. Nomes, papéis, objetos, tinta de caneta, desenhos, sentimentos... Tudo percorrendo cidades em busca de endereços, em busca de alguém, procurando os olhos da pessoa de nome citado no verso da carta para que estes possam se fixar na folha dobrada de papel e decifrar cada palavra, procurando mãos trêmulas que segurem a embalagem com olhos lacrimejando, em busca do adolescente empolgado com a encomenda feita pela internet. Seção de achados e perdidos do correio, milhares e milhares de cartas, bilhetes, vidas codificadas e transferidas para uma mísera folha de papel em branco com linhas azuis. Quantos pais ficaram sem notícias de seus filhos que viajaram pra longe? Quantos filhos pensaram que os pais os esqueceram? Quantos relacionamentos a distância acabaram sem explicação? Ficando apenas a ausência, a amarga ausência. Quantas palavras se perderam no caminho?
Seção de achados e perdidos, seção de abandono, seção de descaso.
Uma pilha de cartas antigas espalhadas pelo chão, caixas, embalagens, envelopes grandes onde poderiam ser enviados desenhos em folha A3, aquele aspecto sujo, velho, amarelado, cor da nostalgia, cor da embalagem de um livro que fora tão esperado... Esperar. Há tanta espera que se esquecem o que estão aguardando, perdem, extraviam, consomem.
Veio então a tecnologia com seus incríveis meios de comunicação, já não se perde uma carta, já não se escreve uma carta, as pessoas não esperam, não existem as filas, os correios entregam na maioria das vezes contas de banco, água, luz e telefone para pagar, não se leva uma semana ou mais para obter resposta de como o filho que foi morar sozinho está, os amores a distância hoje têm a capacidade de observarem o movimento do rosto do outro ao sorrir de maneira simples ao se conectarem através de programas de computador. Perdeu-se o encanto de esperar, de sentir a falta e observar apenas uma foto mal tirada com qualidade ruim, escrever com a saudade escorrendo pelos olhos e caindo suavemente sobre o papel borrando a tinta da caneta, não se olha mais na caixa de correio todos os dias esperando uma novidade.
Uma pilha de sentimentos perdidos, jogados, espalhados pelo chão do quarto, um blog e a exposição de todo um ser em rede mundial.
Onde foi parar a magia do sentir? Onde foi parar a magia do abraço caloroso, daquele beijo de namorados ao se reencontrar. Se hoje uma carta fosse extraviada, no outro dia seriam juntados os últimos trocados pra correr ao encontro, dar a boa notícia, matar a saudade... Mas os mensageiros instantâneos fazem isso pelas pessoas, as redes sociais, os vídeos enviados ao vivo de uma webcam para um computador do outro lado do mundo. Vive-se em um presente banhado na utopia de um futuro mais desenvolvido, vive-se em um presente aterrorizado pela utopia, vive-se apenas na utopia. Um lugar onde todos vão e todos querem ir, todos convidam, todos querem ficar, todos amam para a vida inteira. A tecnologia que une quem está longe, afasta quem está perto, vive-se isolado da realidade, vive-se no mundo da fantasia onde 561 km são apenas um teste de sobrevivência de um amor que nasceu de um texto aleatório. São estradas e mais estradas, BRs, rodoviais de asfalto queimando enquanto passam milhares de carros, caminhões e motos em alta velocidade, todos correndo, correndo em busca de algo, de algum lugar, de uma vida, são milhares de campos, florestas e poeira em ruas de cascalho, são casas de interior e prédios de 30 andares, são vidas, são rotinas, são milhares de carros do Sedex entregando mercadorias compradas pela internet, procurando endereços, procurando uma rua na Zona Sul de São Paulo pra entregar parte de uma vida, parte de alguém, pra entregar um dos segredos mais íntimos de alguém, pra entregar um manual de sobrevivência, um manual de instruções de um único indivíduo.
Uma carta pra vida explicando qual o motivo de cada erro, de cada acerto, de cada reclamação. Uma carta da vida explicando o fato de nada acontecer do jeito que se deseja. Um bilhete pedindo que, por um dia, a distância se faça pequena e o cheiro do perfume se sinta próximo a nuca, que as mãos possam ser dadas e os dedos entrelaçados, que os cabelos voem juntos ao vento frio de uma cidade no interior do Paraná, aqui onde tudo é cinza, da cor do céu. Uma noite com a cabeça enterrada no travesseiro implorando que a distância seja de um palmo, que se possa roubar um beijo, olhar nos olhos, sentir o gosto amargo do amor ao morder muito forte o lábio. Milhares de cartas com o mesmo destinatário, milhares de sorrisos, de lágrimas, de gargalhadas, milhares de noites em claro e músicas com letras de quem encontrou o sentido da vida ao amar um outro alguém.

Uma encomenda em um avião ou em um ônibus de viagem, uma encomenda alta, morena e de olhos castanhos, que venha com defeitos, que seja imperfeita, que possua erros e que tudo isso se encaixe perfeitamente a mim, aos meus erros, aos meus defeitos, que sejamos imperfeitos, que chegue com seus olhos cansados, com suas olheiras e com sua cara de sono, que deite no meu colo e ali faça seu abrigo até que a distância aumente e sinta vontade de voltar e ficar.

Um comentário:

  1. Perdeu-se na atualidade a chance de mostrar o formato de sua letra. Perdeu-se na atualidade a percepção de outra pessoa à maneira como você escreve; deixando a mão solta ou firme. Perdeu-se na atualidade a emoção de ter uma ideia e escrevê-la rápido e com a letra mal feita para não esquecê-la. A atualidade deixou a emoção se perder em uma rede social. A atualidade fez tudo e todos se perderem...

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